Evento do Ministério da Justiça pressiona pela aprovação da Comissão da Verdade - Sul21
Fonte: Sul21 - Rachel Duarte / Especial Brasília
Elza Fiúza/ABr |
Antes das falas oficiais, foi exibido ao público um vídeo produzido pelo governo federal com depoimentos de mulheres brasileiras vítimas de tortura e presas políticas em 1964. Os relatos trouxeram lágrimas às testemunhas que estavam na plateia. “Choques elétricos nos ouvidos e genitálias, cortes nos bicos dos seios, exposições públicas de nudez, casas fuziladas e prisão”. Estes foram os principais métodos descritos no vídeo usados para aniquilar ou torturar mulheres durante a ditadura.
Para a presa política Sônia Hipólito, acusada em 1968 de participar de um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), a homenagem não serviu como reparação, mas não por ser insuficiente, e sim pela consciência de que o que fez não foi algo errado que careça ser reparado. “O que eu fiz foi por eu ter certeza de que era a minha batalha naquele momento. Eu sabia os riscos que eu corria. Eu tive a oportunidade de lutar pela democracia do meu país. Não queria ser reparada por nada”, disse Sônia sobre a anistia que recebeu no evento.
Sônia foi colega de cela no presídio de Tiradentes, da então militante Dilma Rousseff. Ela foi uma das presas políticas que a presidenta fez questão de que comparecesse a sua posse. E ela conta o orgulho da companheira: “É muita emoção. Nós éramos jovens quando dividimos cela. Ela desde lá batalhava e hoje está na presidência da República e poderá garantir os direitos que tanto lutamos, para todos”.
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Sobre a opressão e a tortura que marcaram o regime militar de 1964, ele considerou o período como inesquecível sob perspectivas que considerou “odiosas”: o preconceito contra a mulher e contra a liberdade humana. E resumiu o dever do estado na reparação dos erros do passado na garantia da indenização e anistia às vítimas daquele tempo.
À imprensa, Cardozo explicou sua argumentação. “Estamos cumprindo um dever histórico, temos que arcar com os erros do passado. A anistia significa isso. O estado de direito tem que cumprir as regras atuais, mas sem esquecer o passado. A anistia não pode sofrer acusações de ser um gasto público desnecessário ou um ato ilegal ou imoral”, disse sobre as críticas já disparadas por setores que consideram a Comissão de Anistia um “escritório de indenizações”.
10 anos da Comissão de Anistia
Em continuidade à cerimônia, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão explicou a funcionalidade e os méritos do espaço que completa 10 anos nesta terça-feira, 15. Na Comissão de Justiça, que funciona junto ao prédio do Ministério da Justiça, são julgados processos daqueles que resistiram ao autoritarismo do regime militar. Em sua maioria, são anônimos que deram a vida pela democracia e aguardam por reconhecimento e indenização pelos danos que sofreram.
A criação da Comissão foi avaliada por Paulo Abrão como um passo significativo no processo de redemocratização do Brasil. “Diante de um cenário anterior de negação das atrocidades e das violações, romper com o discurso da ditadura e da resistência faz com que a Comissão sofra um pouco rejeição. Mas, aos poucos vamos incorporar a recuperação dos direitos humanos nos discursos da sociedade, que até então desconhecia este pedaço da nossa história”, argumentou.
Sentença do Caso Araguaia
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No dia 14 de dezembro de 2010, duas semanas antes da troca presidencial no Palácio do Planalto, o Brasil foi condenado por crimes praticados durante a ditadura militar que sufocou o país entre 1964 e 1985. Por unanimidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu reconhecer a responsabilidade do Estado brasileiro na prisão, tortura, morte e desaparecimento forçado de 70 camponeses e guerrilheiros caçados pelas forças militares brasileiras nas matas da região do Araguaia.
“Não tenho dúvida que a sentença deve ser cumprida na íntegra. Ela dispõe de obrigações dos distintos poderes. O Executivo deve terminar o processo de reparação às vítimas, levar adiante a construção do Memorial da Anistia e criar políticas públicas de memória e reparação. Cabe ao Legislativo aprovar a Comissão da Verdade e ao judiciário interiorizar os fundamentos da decisão da Corte Interamericana sobre o tratado de proteção judicial das vítimas e garantia dos direitos humanos”, explica Paulo Abrão.
Aprovação da Comissão da Verdade em 2011
O tema consensual durante os discursos de representantes do executivo, legislativo e judiciário na 13ª Anistia Cultural foi a instalação de uma Comissão da Verdade para investigar os casos de perseguidos políticos no Brasil. O tema já virou proposta de projeto de lei no Congresso Nacional, apresentado pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos.
A deputada federal Luiza Erundina (PSB – SP ) salientou o atraso do Brasil neste processo e a importância da sociedade na exigência da aprovação da Comissão da Verdade no Congresso Nacional. “Esta é uma agenda prioritária. Outros países já concluíram o trabalho de investigação da verdade ou pelo menos já tem suas comissões. Precisamos corrigir nossas injustiças, de dor, desaparecimentos, torturas, exílios…”, relatou.
Para o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, o interesse presidencial será importante para a aprovação da Comissão, que ele acredita que será aprovada ainda em 2011. “Estou otimista. Mas a sociedade tem que se mobilizar e dialogar com os representantes na Câmara Federal”, disse sobre a necessidade de monitoramento do tema junto aos deputados federais.
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