O Governo do Distrito Federal e os "Conflitos na transição governamental" - O Clima na Bliblioteca Nacional
Nessa semana que passou, participei de uma das reuniões da equipe de transição do GDF que está trabalhado arduamente na sede da Biblioteca Nacional de Brasília, mas especificamente do grupo responsável pela transição na área de Políticas Públicas de Juventude - PPJ. Acabei não ficando muito tempo ou até o final da reunião, por conta de outros compromissos. Mas no pouco tempo que fiquei já deu pra perceber várias coisas, tais como: dificuldades por conta da estrutura improvisada; poucas ou restritas informações e dados oficiais sobre as ações de governo; e muitas dúvidas sobre o próprio processo de transição, principalmente sobre as possibilidade e potencialidades.
Para contribuir com esse processo e colaborar com as discussões sobre essas temas, aproveitando que agora estou com um pouco mais de tempo livre, pensei em escrever uma série de postagens abordando várias das questões que tenho observado. Mas pra começar, escolhi reproduzir um texto do Maurício Romão, originalmente publicado em 2008 no Blog do Magno Martins, mas que guardada as devidas proporções de tempo e espaço, revela muito do clima que envolve o processo de transição no DF.
Conflitos na transição governamental
Maurício Costa Romão*
mauricio-romao@uol.com.br
A transição governamental é um processo em que se estabelece entre os governantes – eleito e atual – um entendimento político-administrativo através do qual se repassam ao governo sucedâneo informações e dados básicos sobre a situação financeira e administrativa da máquina pública cuja gestão está prestes a se encerrar.
O maior interessado na transição é sempre e invariavelmente o novo governante, que quer começar sua gestão com o maior conhecimento e domínio possíveis sobre o contexto financeiro, administrativo e organizacional que moldura a estrutura do executivo. E é natural que assim seja, posto que nos primeiros dias de governo é normal o acionamento de várias medidas de importância para a nova administração. Não fora as informações colhidas do período transicional e o governante-eleito estaria meio que às cegas no início do mandato.
Infelizmente, o que deveria ser um processo natural e saudável do convívio democrático, termina por se constituir, em muitos casos, em pano de fundo para o acirramento das divergências entre os grupos que disputaram a eleição recém finda. Toda transição é sempre conflituosa, umas mais, outras menos, mesmo quando ela ocorre entre agrupamentos que são de uma mesma facção político-partidária.
Considerando-se, por exemplo, que a disputa se deu entre correntes contrárias e a vitória coube à oposição ao atual governo, os motivos que estão por trás dos desentendimentos acima mencionados são, na verdade, de natureza política, mas aparecem travestidos como resultantes, principalmente, de interpretações dadas pelas duas gestões, a atual e a substituta, aos dados e informações coletados, e de divergências entre as duas equipes sobre o formato operacional da transição.
O filme, já tantas vezes assistido, tem variações de cenários e atores, mas o enredo permanece virtualmente inalterado, e se passa mais ou menos assim:
O comando dirigente atual busca se apresentar à opinião pública, ao final do mandato, como tendo realizado uma administração austera, realizadora, gerencialmente competente, etc. deixando, ademais, o executivo financeiramente equilibrado ou muito próximo disso, conforme, aliás, diz a equipe ainda em exercício, demonstram os dados entregues à equipe de transição, muitos dos quais já antes divulgados à grande imprensa.
O novo governo, por seu turno, mesmo reconhecendo certos avanços ocorridos, alguns até significativos, outros apenas parciais, vai negar de forma peremptória o que está sendo noticiado pela administração vigente, argumentando que os poucos dados coletados, os quais, afirma a nova equipe, foram extraídos a fórceps, mostram uma situação diametralmente oposta a que ora se propaga, etc. etc.
Ao antigo governo não interessa, obviamente, expor sua administração, agora e no futuro, à senha difamatória dos recém eleitos, admitindo, por pequenas que sejam, fragilidades administrativas e financeiras ao final do mandato. Daí porque tenta enaltecer seus feitos e números de forma a mais favorável possível. À nova equipe, não compete, por ilógico, sob nenhuma hipótese, aceitar como verdadeiros os argumentos e números do executivo atual, sob pena de, em assim fazendo, submeter-se a cobranças de desempenho semelhante, mais à frente, quando serão inevitáveis os confrontos comparativos de gestão.
Mas, as divergências, a rigor, começam antes mesmo do confronto de interpretação de dados e se manifestam, tácita ou explicitamente, quanto ao processo transicional em si, quanto ao seu “modus operandi”. Seja porque o novo governo, no julgar do atual, está apressado e quer ditar norma e ritmo dos trabalhos (começar a varredura de informações o quanto antes, em prazos tais e quais, naquela dada sistemática, realizar as reuniões em tais locais, ouvindo esse e aquele dirigente, etc.), seja porque está havendo exigência descabida dos futuros mandatários de solicitar dados que são de difícil coleta em espaço exíguo de tempo, ou que não devem ou não podem ser fornecidos no período inicial da transição, e por aí vai.
Na visão do governante em exercício, o que embala a movimentação frenética do novo mandatário é, na verdade, a ânsia de começar o governo dele antes de terminar o que está em curso. E isso não vai ser admitido em hipótese nenhuma. Trata-se de uma interferência indevida e inadmissível. O mandato que foi conferido ao atual chefe do executivo se encerra no dia 31 de dezembro e, até lá, ele é o governante. O recém eleito que espere sua posse para fazer o que quiser e bem entender. Antes disso, não. Vai ter que aguardar.
Para a facção eleita, o que está por trás da resistência do atual dirigente é o receio de mostrar de forma transparente os dados de sua gestão à frente do executivo, por motivos óbvios: sua administração foi simplesmente bisonha e ineficiente, além de perdulária e desrespeitosa às leis vigentes. Daí porque emperra a transição, não entregando informações solicitadas, ou o fazendo apenas parcialmente, impedindo contatos com dirigentes de órgãos, etc. etc.
Quanto mais apartados, política e partidariamente, estiverem os dois governantes, mais essas divergências vêm à tona e reverberam, dificultando extrair-se todo o potencial que o arranjo transicional poderia oferecer, afetando o relacionamento presente e futuro entre as equipes da atual e da nova administração e, não raro, prejudicando o novo governo nos seus passos iniciais.
O processo político-eleitoral brasileiro tem amadurecido sobremaneira nos últimos tempos e se vem aperfeiçoando a cada eleição. Mas é preciso ainda desarmar os palanques da campanha após o pleito e incorporar a idéia de que a alternância de poder é fato corriqueiro na democracia e que o período transicional – que tem duração de quase 90 dias – nada mais é do que o lapso de tempo reservado aos preparativos para que a mudança de gestão se dê sem descontinuidades que possam vir a afetar o dia-a-dia do cidadão.
Maurício Costa Romão é Ph.D. em Economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
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